terça-feira, 26 de agosto de 2008

A CRÍTICA E O JUÍZO OU SOBRE SER OU NÃO SER "CANALHA"

A crítica é um processo descritivo, analítico: diante de um objeto, o sujeito procede a um desmonte do todo, apresentando suas partes constitutivas e como elas se articulam. Em essência e na origem é o que a crítica faz. O crítico se confunde com o analista. Este processo se dá tanto no exame de uma pessoa como de uma obra de arte.

O que são partes de uma pessoa? Comportamentos, sentimentos, pensamentos, sonhos, desejos, expressões etc. - passados e presentes, lembrados e esquecidos. Corpo e espírito - numa visão dualista - organicamente articulados e inseparáveis. Quando os separamos, só o fazemos no esforço de especular sobre nossa natureza. É o que se chama abstrair - abstração é qualquer processo de separar. É um procedimento mental, reflexivo, não acontece no fenômeno. Com mero caráter anedótico, mas ilustrativo: para certas tribos indígenas, não existe, em sua língua, possibilidade de formularmos algo como "a mão humana", que é um conceito, uma abstração portanto. É tão orgânica sua visão de mundo que só é possível dizer "minha mão" ou "sua mão".

A crítica a uma pessoa viva é sempre insuficiente, porque esta é um todo em aberto, não plenamente constituído. Só com sua morte tem-se um todo, um sentido realizado - nunca inteiramente apreciável; há as insanáveis lacunas, jamais preenchidas. A crítica poderá então ser suficiente ou insuficiente. Sendo a pessoa viva, a crítica só poderá ser insuficiente. A uma pessoa é sempre um processo complexo, porque o outro é também espelho. Quem julga tem sempre graus variados de envolvimento com o julgado. A imparcialidade é, forçosamente, comprometida. "Tudo que é humano me diz respeito".

Só me constituo como "eu" em oposição a "outro". Este par é essencial, é o pilar mestre das relações humanas, da natureza humana mesma. De outro modo, o ser humano não existiria.

Imaginemos uma situação inicial absurda: num mundo absolutamente despovoado, de um único ovo (pensei em ovo, porque não quis incluir, no raciocínio, genitor e genitora, pai e mãe), nasce uma criatura com forma corporal e organicamente idêntica a nós humanos. Se for única, jamais será humana. O humano só acontece a partir do par "eu" e "outro". É onde tudo começa: o prazer e a dor; o inferno e o paraíso dos relacionamentos. Como queiram. O humano nasce na e da relação entre pares.

O juízo é interpretativo, produz sentidos e significações, não-presentes nos objetos em si. Diz respeito ao sujeito, é subjetivo. O juízo segue à crítica. Se aquele não for precedido desta, o que se dá é o preconceito - o juízo destituído da compreensão. Será, portanto, um juízo frouxo; a ser desconsiderado. Por isso é perigoso e condenável.

Assim, não existe crítica "construtiva" ou "destrutiva", mas suficiente ou insuficiente. O juízo pode ser negativo ou positivo, "construtivo" ou "destrutivo", como se queira chamar.

Diante de uma pessoa da qual não gostamos, que nos faz mal ou nos causa dor, nossa atitude é de distanciamento ou de agressão. As armas da agressão são os juízos, nem sempre precedidos da devida crítica; neste caso, vão das expressões preconceituosas ao insulto. Desconsidero aqui a força física. Lembrando que todo juízo destituído de crítica é necessariamente suspeito.

O que a Justiça faz? À sentença, ela faz preceder um processo. A sentença está para o juízo como o processo, para a crítica. É um processo análogo. Não pode haver sentença sem processo. Quando este não acontece, tem-se o que se costuma chamar de "justiça sumária". Em tudo abominável, porque desde sempre suspeita - como o juízo destituído de crítica. O preconceito é pai e filho de todos esses procedimentos censuráveis; mas é humano, é bom lembrar, e vai sempre existir.

A famosa frase "não julgues para não ser julgado" (e a frase irmã: "Atira a primeira pedra.") está a dizer isso mesmo. Ela não quer eliminar o juízo em si (seria ocioso), mas rejeitar todo juízo privado de crítica e toda sentença decretada sem o devido processo. Duvide sempre. De tudo.

domingo, 24 de agosto de 2008

INSISTÊNCIA

Não resisto e vou reproduzir, aqui, nota da coluna de Dora Kramer, publicada no Estadão deste domingo, hoje:

"Massa de Manobra
Os marqueteiros ficam muito irritados com análises sobre a reduzida credibilidade dos programas apresentados no horário eleitoral gratuito.

Argumentam que o público-alvo não tem o senso crítico de analistas. Como o crivo da maioria não é exigente, dizem, as fantasias fabulosas parecem verossímeis, tocam ao coração das mentes desacostumadas ao exercício do discernimento e alcançam o resultado desejado.

O raciocínio faz sentido. Mas é cruelmente baseado na premissa da ignorância. Na propaganda comercial, gera o consumo, movimenta a economia, rende benefícios a despeito de eventuais malefícios para a escala de valores da coletividade [é o chamado efeito colateral].

Na política, pode produzir logros da dimensão de um Fernando Collor, alimenta o descrédito, despolitiza as relações e ainda celebra o atraso e a carência de instrução como instrumentos de manipulação."

Insisto: inicialmente, desligue sua televisão. Depois, venda-a. E seu carro? Não vendeu ainda?! E o celular-gosma? Você caminha para vestir a fantasia do tolo perverso, vulgo bovino.