terça-feira, 12 de janeiro de 2010

VOU ATÉ ALI E NÃO VOLTO


Me escuta um pouquinho:

Do nada, reparei que, por meses, não colocava um CD ou bolacha nos aparelhos acústicos. São três horas da manhã de 12.01, uma terça-feira, e eu, que tenho dormido tão bem (para meus padrões de sono) me vejo acordado e já irritado com um som (porque não é música) medonho que entra pela janela. Batuques estridentes e pobres, vozes espalhafatosas em coro numa quase fala insistente. Deste ponto, parto para uma viagem, imaginando as pessoas que balançam freneticamente suas bundas, suadas, com suas roupas lamentáveis, seus bonés, seus penteados de chapinha, bexigas cheias de cerveja e a linguagem verbal dos ruminantes. Na Bahia, não há lei do silêncio. "A gente somos alegre, meu irmãozinho!" Não dá, isso vai acabar mal.

Parece-me que essa obsessão por ouvir música sem parar; todos com seus "apareinhos nas oreia", em todo lugar, a todo momento, acabam por me provocar enjoos. Então, não ouço nada. Será? Parece-me frágil, essa explicação. Certo é que sinto o mesmo em relação a cinema, lugar onde não ponho os pés há muito. Só de imaginar as filas, as mandíbulas moendo pipocas e engolindo refrigerantes, conversas inconvenientes... É isso mesmo: Avatar neles! Sentir-se-ão profundos, levando um lero-cabeça, depois jogam as embalagens do lanche pela rua e ajustam seus MP4.

Quando, surpreendentemente, sinto falta de assistir a um filme ou ouvir uma música, preparo um ambiente em que esteja inteiramente só (que, acompanhado, já me parece parcialmente só), sem qualquer possibilidade de interrupção, na minha casa. Nada de fones de ouvido ou telefone ativado, apenas a música enchendo o ambiente, num volume civilizado.

Acompanho os artigos sobre músicos e lançamentos de CDs que me interessam por atavismo. Será? Um deles me chamou a atenção: considerado o melhor disco de música erudita do ano passado (sei lá por que critério), peças para piano de Gabriel Fauré, de quem gosto muito - "ah! esse vou comprar". Gastei meu pouco dinheiro com livros e me esqueci completamente daquele, como também me esqueci dos intérpretes.

Ouvir, de fato, música ou assistir a imagens em movimento quase ninguém mais faz. Exigiria uma concentração estranha a esse mundo que nos cerca e nos toma brutalmente. Quando comento ou narro essa prática, julgam-me bizarro. A meu juízo, são pessoas mergulhadas em dispersão. "Bem, mas muitos passam horas na frente da tela, praticando games complexos, concentram-se, não?". Prefiro pensar de outro modo: os games (e seus programadores) é que pré-determinam os lances possíveis e, portanto, previsíveis; os jogadores os perseguem. Ora, são conduzidos, na ilusão de que conduzem. As múltiplas leituras de um texto literário descortinam o infinito. É coisa muito diferente.
Definitivamente, meu quintal não é deste mundo.

A cama cuja porta se abre por impulso da melancolia habitual sempre me espera com penumbra, silêncio, travesseiros macios e afofados, lençóis e fronhas brancos, água fresca. Meu corpo, como contrapartida, lhe oferece a preguiça dos movimentos pausados e a ausência de pressa qualquer, deixada muito distante - lá fora, no solo sujo e povoado sobre que nunca deveria pisar com tanta indesejada frequência.

Salvador, 12 de janeiro de 2010