quinta-feira, 28 de maio de 2015


DEDO MORTO


Inteligência é o que permite o conhecimento, por aproximação, da complexidade do mundo no qual estou inserido. É preciso humildade intelectual. A complexidade é infinita. É um grande prazer mergulhar nesse mar. Não é ganhar nos joguinhos eletrônicos, não é passar a perna no vizinho, não é tagarelar na conectividade patológica. O tempo que se perde com essas bobagens divertidas é aquele que se ganharia na observação do mundo real e mensurável, na ampla e aberta reflexão. Nessas terras chamadas Brasil, a manada se deixou engolfar pelo entretenimento elétrico (é onde pasta suas horas de vigília) e acabou abandonando a cultura que conta. Desligue a maquininha enquanto é tempo, antes do atropelamento, da trombada, da queda e da ignorância pegajosa. Não me canso de pensar e dizer ainda que a burrice triunfe. Olhe em torno.

quarta-feira, 27 de maio de 2015


RESTOS HUMANOS

Mas a jovem foi enterrada
Ainda viva.
139 covas, pedaços de corpos
Em decomposição.
Tinha uma espécie de atraso
Mental.
O avô é linchado.
Eles eram levados,
Foram encontrados vagando
Na floresta.
A ordem global:
Guerras,
Genocídio,
Depressão,
Fome.
Tudo para viajar
À Disney,
Em 10 X sem juros.

AJUSTAMENTO

Você é uma ave sem felpas.
Descende
Dos avós sem paletós.
É sobrevivente,
Passeia pelo parque
E não é vista.
Come as uvas
Sem tocar a videira.
Bebe o vinho
Nas nuvens que cavalgam
Sua cegueira permanente.
O que mais quer?
O brinco da princesa?
A adaga do assassino?
Durma enquanto a noite
Aquece o travesseiro
E lhe nascem as penugens
Para a vida inútil
Para qual a lançaram.
Ponha os pingos nos is,
Os tremas nos us
E a dor no seu impossível lugar.


segunda-feira, 25 de maio de 2015


ENCALACRADOS

"O que vemos não é a natureza, mas a natureza exposta
ao nosso método de questionamento".
                                                                              Werner Heisenberg

O que é a luz a não ser a escuridão que nos povoa na ignorância e o claro que nos desmantela na contraluz? O mistério que nos encaminha e nos põe em estradas vazias, entre a onda e a partícula? O que faz e desfaz, o que é e não é, o não-inexistente?

Você não vê a luz, vê as coisas iluminadas; ou não vê, pensa e se  lembra dela. Você não vê a morte, vê os mortos; ou não vê, pensa muito e se lembra dela. Cai embaraçado no velho novelo do verbo, na vã filosofia.

É no castelo de palavras, umas sobre as outras, num equilíbrio instável, que se concentram a reminiscência e o esquecimento, numa troca de soma zero, tal como aquela verificada entre um vago "mim" e esse vulto refletido no espelho. Quem há de morrer primeiro? Quem será mumificado pela memória aleivosa? Quem dos descendentes apagará a luz?

As palavras iniciais, à medida que se apagam, serão outras muito mais adiante, muito embora as mesmas. Quem vê jaz cego; quem lê jaz parvo. Somos os que não sabemos quem. E, então, é que não é, e assim é que não sou. E então?!

Deixa pra lá e vá ver se a água já ferveu.


A. R. Falcão - maio de 2015